18 outubro 2023

Brígida

o feijão está no fogo e o pensamento fervendo. 

não tô falando com ninguém, há muitas coisas a dizer, talvez eu não queira. eu não sei. não há muito o que dizer sobre o que pretendo fazer. há muitos planos. infinitos que não cabem numa cabeça só. enquanto eu durmo, minha alma flutua à procura de desfazer os nós. 

e a quanto tempo há nós?

eu deveria estar presente, ele é uma dádiva. mas acho incoerente a pele que uso pra estar à frente. não tô contente. ainda não. muitas coisas precisam estar prontas pra que eu possa começar. o recomeço é assim mesmo, botar cada coisa em seu lugar.

e quando não há?

em quarenta minutos poderia estar pronto, mas nunca está. porque eu não estou. e a vontade de fumar só aumenta mais quando meu organismo sente a abstinência de substituir um vício pelo outro. nunca tem retorno. e não espero o troco. só penso que, um dia, estarei presente e contente com minha imagem à frente, respirando o ar da noite que me pertence. sem mentes, elas são prisões, em corações de desejos cadentes. canções, opiniões, meus pés não sentem a dor de ilusões, estou distante e carente. ausente. eu pretendo voltar, um dia, quando você estiver lá, mas nunca pronto pra ir me buscar, porque não há. simplesmente não há. 

só peço paciência pra continuar a me procurar. necessito me achar. 

10 maio 2023

muito sufocante me sinto superficial e uma fraude. uma pequena vírgula no espaço errado, a pontuação ignorante da qual não se tem conserto, embora mesmo que num contexto todo seja muita tempestade pra poucos copos.

mas eu tô bem.

vou ficar bem, pelo menos, é assim que me sinto vendo que você pode ir embora a qualquer momento e que sua felicidade não depende de mim e isso ao tempo que me é um alívio, é muito pesaroso, pois queria eu fazer parte disso. mas nunca fiz. a gente acaba achando que algo no universo sabe o que é melhor pra nós, mas individualmente a gente precisa entender e aceitar que sim, nós nascemos e morremos sozinhos, mesmo que haja esse paradoxo de não poder viver só apenas. eu deveria ter me respeitado e entendido - com a razão - que eu deveria estar sozinho. e agora dói, ou melhor, vai doer muito daqui pra frente pois eu não quero insistir pra fazer você ficar. pode ir. eu (não) quero que vá. seja feliz pois assim eu serei feliz sabendo que quem eu amo está tendo a oportunidade de viver infinitamente melhor do que eu, sem mim. não faço parte da esperança de viver, eu não tenho muitas esperanças, mas ainda acredito em você.

14 janeiro 2022

re:compositor

na minha arte que não domino

e o casulo que me abrigo 

e o espírito que não resido

na confusão profunda, o meu conflito 

sentado na sala, no escuro, sinto sozinho.

ouço as vozes cantarem ao meu ouvido

escreva isso, escreva isso

mas viva aquilo, viva o oposto disso.

não posso me trair, não posso ser você.

prefiro ficar aqui, meu recomeço é ser assim:

eu me abandono, eu volto

eu me machuco, eu ignoro

eu choro, eu me conforto

eu sou o deus e o filho pródigo.

é clichê e não me importo

não quero diagnóstico.

quero expelir o que é tóxico.

o que me salva do que eu faço,

o que me liberta do que lhe escrevo

o que me guarda é o que deixo aceso.

eu canto o que trilho, eu sou o enredo 

a inspiração dos meus dias escuros

então sou eu o medo

navegando em segredo.

05 dezembro 2021

Cruz Vermelha

bebo dos bancos da praça,

bebo do posto de gasolina,

bebo da cerveja amarga dos teus lábios,

dos dentes amarelados,

do hálito do cigarro.

deito na cama que me namora,

no olhar que me devora,

no toque que apavora,

no gozo que se demora,

no choro que me fez rir,

incrédula,

tua face,

apaixonei,

no colo que eu deitei.

no escuro me confortei.

na hora que se chegou,

na pressa

que já voltou.

na rua solitária,

nos senhores de suas esposas,

nos grilos e mariposas,

no devanir do nosso olhar.

no território em pele flácida,

aprecio que tu comas,

que tu somes

e não somas.